O governo de Jair Bolsonaro, que tem no Twitter o seu principal meio de comunicação, prepara um decreto para definir regras mais claras para uso de redes sociais por servidores públicos. Ainda não está definido, no entanto, se o presidente e seus ministros precisarão se enquadrar no novo código de conduta para o mundo virtual.
O decreto também vai prever orientações sobre assédio moral, bullying e conflito de interesse. O texto é defendido por pessoas do governo como modo de “recuperar” a confiança sobre serviços e instituições públicas, que estaria desgastada por escândalos de corrupção e disputas político-partidárias recentes.
A ideia é complementar o código de ética de 1994, que trata desde “exercer suas atribuições com rapidez” até a proibição de trabalhar embriagado. As regras, novas e antigas, serão levadas em conta em processos sobre servidores analisados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
A proposta é preservar o texto publicado há 25 anos, mas criar barreiras, por exemplo, para que a opinião em redes sociais de agentes públicos não se confunda com uma posição oficial do órgão em que trabalha.
Já foram consultados para elaboração do decreto órgãos como CGU, Ministério da Justiça e Comissão de Ética Pública da Presidência. Códigos de conduta de empresas e do Judiciário teriam servido de inspiração.
O Estado teve acesso ao texto que deve ser entregue pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Palácio do Planalto para defender o decreto. O ministro deve afirmar que a atualização rompe “preceitos meramente burocráticos” para inserir “padrões gerenciais de maior eficiência, responsabilização, transparência e prestação de contas”. Não há prazo para que o decreto seja publicado.
Redes sociais
Segundo fontes do governo, ainda não está fechada a posição no novo código sobre publicações em redes sociais. Há dúvidas, por exemplo, se um ocupante de cargo político, como ministro, deve ser enquadrado nas mesmas regras de um servidor que não responde pelo seu órgão. As mesmas fontes garantem que haverá cuidado na elaboração do texto para não restringir a liberdade de expressão.
Nesta semana, a Comissão de Ética, responsável por analisar a conduta de ministros, abriu um procedimento para apurar se o ministro da Educação, Abraham Weintraub, se excedeu ao atacar os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, em seu Twitter.
No texto preliminar do decreto, existem dois dispositivos sobre o assunto. A previsão é vedar a “publicação não autorizada” em contas de órgãos ou entidades. Além disso, impedir uso de logomarca ou qualquer imagem oficial do local de trabalho ao emitir comentários, mesmo em perfil particular, que atinjam “a imagem do respectivo órgão público perante a sociedade”.
O documento ainda cita como desvio de conduta “apresentar ideias, opiniões e preferências pessoais” como se fossem da administração pública, do órgão de trabalho ou de colegas “com conteúdo que reduz a confiança e o clima de colaboração”. Também é considerado uma falha “praticar ou tolerar” assédio moral ou sexual em ambientes de trabalho e fazer “bullying” com violência física ou psicológica, por meio de provocação que causem constrangimento por tratar de deficiências, características ou erros dos servidores.
A exemplo do código de ética, há incentivo para que funcionários públicos façam denúncias contra irregularidades nos locais de trabalho, mesmo contra chefes. Outra orientação do novo texto é que informações ao alcance dos servidores, e não sigilosas, sejam liberadas sob a menor burocracia possível.
Além de publicar o decreto, o governo deve lançar um manual e uma campanha em redes sociais que citem exemplos do que é ou não permitido pelas novas regras.
Conflito de interesse
A prévia do código de conduta tem ainda capítulo específico para tratar de conflito de interesses. O desvio fica caracterizado, por exemplo, se o servidor usar o seu cargo para promover interesses particulares, de partidos políticos ou categorias da qual façam parte o próprio funcionário e parentes próximos. Também deve ser considerado conflito aproveitar o acesso direto ao presidente da República, vice, ministros e outros cargos do alto escalão da gestão pública para influenciar em decisões em benefício próprio ou de sua carreira.
O advogado Modesto Carvalhosa presidiu comissão que preparou o código de ética de 1994. Ele afirma que a ideia de “reavivar” o texto é “muito boa”. Segundo Carvalhosa, havia à época desconfiança e pressão sobre funcionários públicos que eram “massacrados” pela corrupção. O advogado afirmou ainda que a ideia era que os servidores sentissem que “atuavam como cidadãos” em vez de como “pessoas de poder”.
Comissão de ética omite atas de reuniões
Responsável por "inspirar" o "respeito no serviço público e promover a ética na Administração Pública", a Comissão de Ética Pública da Presidência não divulga atas de suas reuniões desde fevereiro de 2019. Segundo o site do órgão, houve sete encontros desde então. O Estado pediu os documentos ou manifestação sobre o porquê de omiti-los, mas não obteve resposta do Planalto e da comissão.
Os trabalhos da comissão ganharam destaque nesta semana após o colegiado decidir abrir processo contra o Weintraub, para apurar se houve desvio de conduta por publicações nas redes sociais com ataques aos ex-presidentes Dilma e Lula.
As recomendações da comissão, que incluem demissão do cargo, porém, não precisam ser acatadas pelo governo. No voto pela abertura do processo contra Weintraub, o conselheiro Erick Vidigal destaca trecho do Código de Conduta da Alta Administração Federal, que exige que “o administrador observe o decoro inerente ao cargo”. “Não basta ser ético, é necessário também parecer ético, em sinal de respeito à sociedade”, afirma o documento.
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