De 2017 a 2024, a União deixou de arrecadar aproximadamente R$ 11 bilhões, que seriam destinados ao pagamento de bônus para 96% dos advogados e procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU). A informação foi divulgada pelo portal UOL. Esses bônus são pagos com base em uma taxa que varia de 10% a 20% sobre dívidas quitadas pela AGU, recurso que antes seria destinado diretamente aos cofres públicos.

Em setembro de 2024, os profissionais da AGU receberam valores que alcançaram o teto salarial do funcionalismo público, ultrapassando os R$ 44 mil. A medida, implementada por uma lei federal, alterou o destino dos recursos, redirecionando-os para o Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA), um órgão que gerencia esses pagamentos. A mudança gerou confusão entre os profissionais do direito, que desconheciam que as taxas sobre dívidas quitadas também passariam a ser direcionadas ao CCHA, além dos honorários de sucumbência (princípio jurídico que determina que a parte perdedora em um processo judicial deve pagar as despesas processuais).

Foto: Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil
Advogacia Geral da União

Contestação no STF e decisão favorável

Em 2018, a Procuradoria-Geral da República, então sob comando de Raquel Dodge, contestava a constitucionalidade da lei no Supremo Tribunal Federal (STF). Raquel argumentava que a transferência dos recursos ao CCHA configuraria uma “renúncia tácita de receita” por parte da União. Contudo, o STF declarou a constitucionalidade dos bônus, mantendo a política de repasses. Desde então, os pagamentos aos advogados e procuradores da AGU se tornaram uma prática consolidada, embora com crescente controvérsias sobre a transparência e o controle desses recursos.

Crescimento dos repasses e incertezas sobre destino dos fundos

Nos últimos dois anos, os repasses do CCHA tiveram um crescimento significativo. Em 2023, os repasses de taxas sobre dívidas quitadas somaram R$ 1,8 bilhão, mas, em 2024, esse valor saltou para R$ 3,2 bilhões, um aumento de 56%. Por outro lado, a arrecadação de honorários advocatícios manteve-se estável, indo de R$ 634 milhões para R$ 655 milhões no período.

Até 2024, o CCHA recebeu R$ 14,4 bilhões, dos quais R$ 10 bilhões foram pagos em bônus aos advogados e procuradores. A diferença, cerca de R$ 4 bilhões, permaneceu na caixa do conselho, sem uma definição clara sobre o destino dos recursos. De acordo com a AGU, parte desses valores está sendo mantida em reserva para eventuais imprevistos ou para cobrir a queda de arrecadação, conforme acordos estabelecidos com aposentadorias de membros da AGU.

Dificuldades de controle e críticas ao modelo

Órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) enfrentam dificuldades para obter informações claras sobre a gestão do CCHA. Em 2024, o conselho tentou evitar o controle do TCU, mas a solicitação foi negada pelo Supremo. Além disso, o CCHA está sujeito a um teto de pagamentos desde 2020, estabelecido pelo STF. No entanto, desde 2022, foram criados subtipos de bônus que ultrapassam esse limite, com base em pareceres sigilosos da AGU, que foram aprovados pelo advogado-geral da União, Jorge Messias.

Um dos principais pontos de crítica é que, enquanto os advogados públicos da AGU são custodiados pelo Tesouro Nacional, não seria justo que eles recebessem honorários no mesmo patamar que advogados privados, que têm despesas com custos de escritório. Além disso, em casos em que a União perde uma ação e deve pagar honorários, esses valores são pagos com recursos públicos, sem que haja qualquer desconto dos bônus pagos pelo CCHA.

Defesa da AGU: impacto econômico e eficiência

A AGU defende a política de bônus, alegando que ela é um reconhecimento ao trabalho de seus membros, cujas ações resultaram em um impacto econômico significativo. O impacto, segundo a AGU, passou de R$ 496 bilhões em 2019 para R$ 1,1 trilhão em 2024, um aumento expressivo que justifica a remuneração extra. Para a Advocacia-Geral da União, os bônus são uma forma de premiar a eficiência de seus advogados e procuradores, que teriam contribuído diretamente para esse crescimento econômico.

Expansão dos benefícios: Defensoria Pública da União

Recentemente, uma nova lei aprovada no final de 2024 criou um fundo de honorários para a Defensoria Pública da União (DPU), com um modelo de caixa privada semelhante ao do CCHA. Essa medida indica a possibilidade de uma extensão desses benefícios para outras categorias de advogados públicos.