Edvaldo Pereira de Moura
Desembargador do TJ-Piauí. Mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS. Membro da Academia Brasileira de Letras da Magistratura – ABLM. Vice-Presidente do IMB e Professor de Direito Penal e Processual Penal da UESPI.
A Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, como sabemos, trouxe importantes inovações ao Sistema de Justiça Criminal, como, dentre outras, a transação penal, o sursis processual, previsto no seu art. 89, e a composição civil, obtida através da conciliação. A referenciada lei passou a ser a responsável pelo julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, que materializam a ideia de delitos bagatelares e do princípio da insignificância. Induvidosamente, os juizados especiais criminais, tidos e havidos como importante conquista civilizatória, vieram ao encontro dos interesses supremos da Justiça Criminal, prestando-lhe valiosíssima contribuição.
Ao deflagrar sua tradicional temporada de cursos, que ministra, anualmente, há mais de uma década, em convênio com a Universidade Federal do Piauí, a Escola Superior da Magistratura deste Estado agraciou os seus participantes, com judiciosa, objetiva, clara e aplaudida exposição, verdadeira Aula Magna sobre conciliação, no âmbito do Direito Penal, apresentada pelo eminente professor Roberto Portugal Bacellar, desembargador do valoroso Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, um dos luminares dessa especificidade do Direito, ou seja, da ciência e da arte da conciliação.
Por isso mesmo, expressamos, aqui, a dimensão da alegria em tê-lo novamente entre nós, pela sexta vez, como um dos magistrados mais valorosos do Brasil.
Com a conciliação, já podemos nos considerar bastante aquinhoados pela fortuna de conhecimentos, rumo a conquistas mais avançadas da conduta individual e responsável do homem, dando oportunidade ao Estado de folgar em suas preocupações mais difíceis, esperando que os cidadãos esclarecidos busquem entendimentos entre si, em discórdias menos complexas, substituindo os apelos heteronômicos do Estado-Juiz, pela saída mais justa e sensata, consistente na legitimadora solução consensual.
Antes, porém, apraz-me tecer breves considerações a respeito de tão interessante e momentoso tema, dizendo: a atividade do conciliador não é menos complexa do que a exercida pelo magistrado no ato de julgar, na solidão de seu gabinete ou nas reuniões dos tribunais.
Francesco Carnelutti ensinava que, “no fundo, quando o juiz se prepara para julgar, encontra-se frente a uma dúvida: o acusado é culpado ou inocente? A palavra dúvida deriva de dubium, ou seja, de um bívio que se abre ante o juiz, perturbando a sua consciência, até ele encontrar a mais inteligente decisão a tomar, com a condenação ou com a absolvição do acusado".
Para o professor Geder Luiz Rocha Gomes, “nem sempre precisamos punir e, normalmente, as punições não engrandecem e nem melhoram os homens ou a sociedade em que eles vivem. O porquê da punição tem conteúdo essencialmente antropológico, não sendo indispensável, mas meramente circunstante para a vida em sociedade. A decisão de punir, ou não, é politica e não científica”.
Com a profundidade necessária, o hoje desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, um dos nossos maiores especialistas em juizados especiais criminais, há muito vinha sustentando a necessidade de darmos um passo a mais na política criminal de despenalização e descriminalização, com a eliminação da pena de prisão, desde o momento da cominação, naquelas infrações que não possuam a dignidade suficiente para suportar tão drástica consequência penal.
Luiz Flávio Gomes, também, endossava tão interessante posicionamento, asseverando: “Há muitas infrações que ainda hoje ostentam a categoria de delito ou de contravenção, mas que deveriam ser eliminadas do Direito Penal, com o desaparecimento do ilícito penal ou com a sua despenalização”.
Felizmente, hoje, com a Lei 9.099/95, a Justiça Criminal do Brasil pode dispor, para julgamentos de certas e determinadas infrações penais, de importantes ferramentas, como a conciliação, a transação penal e a composição dos danos, a serviço do direito penal mínimo e de uma justiça penal mais humana e democrática.
Aliás, essa solução é defendida pelos adeptos do garantismo e do minimalismo penal, capitaneados por Luigi Ferrajoli, Eugenio Raúl Zaffaroni e muito outros, que se insurgem contra o expansionismo do direito penal.
Como é de sabença geral, por fim, a conciliação e os outros mecanismos defendidos pela Lei 9.099/95, quando bem utilizados, podem trazer sazonados frutos à Justiça Criminal, com soluções mais justas e inteligentes, em favor do homem e da sociedade.
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1